Um thriller chamado Brasil

 

Foto - montagem Poder 360 graus



Por Carlos Barros*

Esquadrinhando-se a última década, conclui-se que nem o mais talentoso roteirista conceberia uma trama tão desconcertante quanto a que tem sido vivenciada pela República brasileira.

Desde a deflagração da nefasta operação Lava Jato, em 2014, até este 2024 já marcado pelos ruídos emanados do Supremo Tribunal Federal, a política e a Justiça criminal se fundiram tal qual a bruma que ambienta um bom thriller. Suficiente para compor uma trilogia, o farto material inclui voltas e reviravoltas que deixariam sem fôlego de Corleone a Underwood.

Inicialmente, investigações e processos criminais foram sorrateiramente conduzidos por um juiz federal em colaboração com procuradores da República, cujas falsas auras messiânicas ludibriaram os incautos sobre o real propósito daquela subversão jurídica. Figurando como alvos prioritários, agentes públicos, políticos e empresários alinhados ao bloco de poder então à frente do Governo Federal. E como parte do modus operandi, sucederam-se manobras para reter a competência jurisdicional, conduções coercitivas ilegais e prisões preventivas para forçar delações, além de vazamentos seletivos de informações sigilosas e manipulação da opinião pública.

Ao final desse primeiro ato, viu-se, entre mortos e feridos, a prisão de um ex-presidente da República alegadamente cotado para reassumir o Poder Executivo Federal e a derrocada do bloco político situacionista, encabeçado pelo dito estadista, bem como a eleição, em 2018, de um presidente ideologicamente situado no lado diametralmente oposto e alinhado justamente àqueles falsos messias.

Resultado: com a mesma intensidade que se escancarou e desmantelou vultosos esquemas de corrupção entranhados no país, fez-se eclodir uma severa polarização entre extremos ideológicos, que, transbordando o campo sociopolítico, invadiu o Poder Judiciário.


Corta.

Iniciado o segundo ato, o enredo seguiu com fortes emoções. E uma cena, em especial, logo chamou atenção: a posse do outrora juiz messiânico como ministro da Justiça e Segurança Pública, após largar a magistratura assim que eleito o novo Chefe do Executivo Federal. Dali em diante, Sua Excelência passou a fazer política às claras.


Mas, como todo bom thriller, não tardou para acontecer o plot twist.


Primeiramente, um veículo de comunicação teve acesso e divulgou diálogos realizados através de um aplicativo de mensagens entre os indigitados procuradores da República e o famigerado ministro de Estado quando era o juiz da Lava Jato. O teor das conversas: nada mais nada menos que combinações entabuladas pelos malsinados homens da lei acerca do direcionamento da operação.


Na sequência, o aludido ministro foi, no jargão político, “fritado” e defenestrado do Ministério pelo agora não mais aliado presidente da República.


Somando-se a essas guinadas, o ex-juiz e ex-ministro foi declarado suspeito pelo STF para julgar o processo que levou o mencionado ex-presidente à prisão, tendo a Corte anulado a condenação deste, colocando-o novamente em cena.


E, em paralelo a isso, o Chefe do Executivo Federal e seus apoiadores intensificaram a postura bélica com relação ao Supremo Tribunal Federal, o qual iniciou uma escalada quanto à força empregada em resposta ao tensionamento.


Corta.


Chegando ao terceiro ato, veio o clímax: o façanhoso resultado das eleições presidenciais de 2022. Com a derrota do então presidente da República para o ex-presidente antes encarcerado, democratizou-se para ambos o tour entre o céu e o inferno político.


Porém, está-se longe de chegar ao desfecho dessa intrigante saga, que segue surpreendendo a cada nova cena, vide os atos do fatídico 8 de janeiro de 2023, a ostensiva reação da Suprema Corte contra os respectivos insurgentes, a contundente atuação do Tribunal Superior Eleitoral resultante na inelegibilidade do presidente da República derrotado, a ofensiva do STF contra este estadista (que, especula-se, é quem agora está na iminência de ser preso, ante uma alegada tentativa de golpe) e quejandos.


Como se vê, embalado por fã-clubes afetados, o espetáculo que deveria ser protagonizado pela democracia está sendo estrelado por um caos cinematográfico.


Entre conchavos e solavancos, a nossa renitente nação sobrevive.

Carlos Barros é advogado criminalista